quinta-feira, 22 de outubro de 2015

1958, ANO FATÍDICO PARA QUIXERAMOBIM


               Não foi por acaso que situei o meu romance O Lua (ainda não lançado – estou tentando fazê-lo através de uma grande editora, em âmbito nacional) no ano de 1958, tendo como cenário principal a cidade de Quixeramobim.

               Pela minha crônica História das Secas no Ceará, publicada há poucos dias, vê-se que foi o ano mais seco no período de 1951 a 2013, ou talvez em todo o século XX (não dispomos das precipitações anuais até 1950) com míseros 206,87 milímetros. Pelo critério da FUNCEME, classifica-se como seco o ano com precipitação igual ou inferior a 493,2 milímetros. Portanto, as chuvas daquele ano atingiram 41,9% do mínimo necessário para se classificar o período como 'inverno'.

               Como os sertanejos não dispunham da assistência financeira hoje existente (aposentadorias para o trabalhador rural e outros benefícios, como as diversas 'bolsas'), as secas constituíam períodos de pavor, a fome rondando as populações, como epidemia de peste.

               Os camponeses dirigiam-se à cidade, um saco no ombro, e iam-se aglomerando, mais e mais, diante dos armazéns, mercados e lojas que negociavam gêneros alimentícios. Todo o comércio cerrava as portas, tão logo percebiam aqueles ajuntamentos. Se o prefeito não tomasse a iniciativa imediata de distribuir alimentos, logo vinha o saque generalizado. Portas arrombadas e lojas esvaziadas pela massa famélica.

               A solução eram as 'frentes de serviço', grandes construções para oferecer trabalho braçal. Em 1958 foram implantadas duas obras importantes: a barragem, que aí está, dois quilômetros a montante da cidade, e trechos da Estrada do Algodão. Os canteiros de obras, regurgitando como formigueiros, com milhares de homens seminus, empurrando carrinhos de mão, tangendo animais, manuseando enxadas, pás e picaretas, máquinas enormes roncando como animais pré-históricos, mais pareciam cenários bíblicos, dos filmes de Cecil B. de Mille (v.g. Os Dez Mandamentos).

               Para aumentar a movimentação, o furdunço, a campanha política roncando no mundo.

               Disputavam a Prefeitura a Dona Aldamira Guedes Fernandes (esposa do Dr. Joaquim Fernandes), pelo PSD, e o Sr. Álvaro Araújo Carneiro, pela UDN.

               A 'mídia' da época eram as irradiadoras (ou simplesmente 'radiadoras'), com seus amplificadores montados nos postes, bradando o dia inteiro e entrando pela noite. Quem fosse premiado com uma besta daquelas bufando em sua porta, tinha que rezar para se adaptar àquela zoeira infernal, arranjar algodão para os ouvidos, ou... mudar-se.

               Pelo PSD, a Voz de Cristal, que viria a transformar-se na Rádio de mesmo nome, que aí está. Pela UDN, a Voz da Liberdade.

               Ninguém era neutro. Imperava a lei 'Quem não está comigo, é contra mim'. As diferenças políticas, mais do que hoje, transformavam-se em inimizades profundas, eternas, quando não, em arranca-rabos, batalhas campais. Quem não apreciava, ou não tolerava, as intriguinhas, as rasteiras, as invencionices maldosas dos cabos-eleitorais e dos desafetos, rezava para aquele inferno passar logo.

               Uma ocorrência violenta, de grande porte, iria marcar aquela campanha e ficar na memória da população da época, e ainda hoje é narrada por muitos, com riqueza de detalhes (e alguns enganos, como sempre ocorre na tradição oral).

               Um dos principais líderes da UDN (mas não candidato) era José de Matos Luna, fazendeiro originário de outro município, e chegado a fazer justiça com as próprias mãos, segundo se comentava.

               Diz a tradição que ele teria determinado à Voz de Cristal parar com a propaganda em favor do partido contrário, isto é, da Dona Aldamira. O proprietário da Voz de Cristal, Fenelon Augusto Câmara (pioneiro no serviço de radiodifusão em Quixeramobim, e hoje um dos patronos da nossa Academia, a AQUILETRAS) pede ajuda aos correligionários, que mandam quatro homens, então atuando na guarda do DNOCS, criada por conta do serviço da barragem.

               De acordo com o processo existente, com quase mil páginas (do qual tenho cópia), no dia marcado Luna dirige-se aos estúdios da Voz de Cristal, com visíveis intuitos provocatórios (afinal, ali era reduto de seus adversários políticos).

               Ocorre um tiroteio, transmitido "ao vivo" pela amplificadora, no qual morre Luna e outros saem feridos. Um verdadeiro dia de juízo para Quixeramobim.

               Em torno desse evento, construí um romance, contendo alguns fatos reais e outros fictícios, no qual descrevo a cultura e a pequena Quixeramobim da época. Considero esse o melhor trabalho que realizei, entre a dezena de livros que já escrevi. O título: O Lua – Romance-Reportagem, Ambientado em Quixeramobim e Fortaleza, de Meados do Século XX, Mesclando Realidade e Ficção de Forma Envolvente, Fruto de Muita Pesquisa.

               No momento esse trabalho encontra-se sob análise em uma editora de São Paulo, e aguardo sua resposta, quanto a uma possível publicação em âmbito nacional.

               De 1958 para cá, Quixeramobim mudou horrores. Qual uma criança que se transforma em adulto. Algumas coisas para melhor, outras nem tanto, como sempre ocorre com o crescimento econômico.

               No momento enfrentamos mais uma seca, de grandes proporções. Como se vê na crônica - História das Secas no Ceará, já mencionada, quase a metade dos anos deste século foram secos, algo inédito e que pode indicar uma deterioração das condições climáticas, geradoras de chuva.

Felizmente, não temos mais a massa de famintos, sacos às costas, invadindo o comércio. Os benefícios dos governos aliviam suas fomes, suas agruras.

Infelizmente (ou não), o sertão quase não é mais uma fonte de sobrevivência, para a prática de culturas de subsistência. Ninguém acredita mais na agricultura sertaneja, no que fazem muito bem. O que se consegue em um ou dois anos de boas chuvas, é tragado implacavelmente por um só ano de seca. O sertanejo transforma-se em citadino (habitante da cidade), o interior vira em deserto, de homens e animais, como falei na minha crônica O Sertão, um Deserto, publicada há poucos dias.

Quer mais detalhes daquele ano fatídico, 1958, leia o meu livro 'O Lua', que, de um modo ou de outro, chegará à população em breve. Espero não haver ferido suscetibilidades, ou mal entendidos, algo tão comum e tão frequente, quando se usa a linguagem escrita.

Em 1958 não havia as redes sociais, celular, Facebook, televisão, nem mesmo as rádios. As maledicências, os fuxicos, os boatos maldosos, eram transmitidos boca a boca, ou quando muito, por uma carta-anônima (felizmente, o Facebook não admite o anonimato, o que permite identificar exatamente a fonte do comentário pernicioso).

1958 tinha essa vantagem, a impossibilidade de denegrir os outros através das redes sociais, mas, em compensação, uma infinidade de agruras para as vítimas da seca.

A campanha política, tão agitada, violenta e até perigosa, foi vencida por Dona Aldamira (ainda hoje na memória de inúmeros quixeramobienses), que iria fazer uma boa administração, humana e de muito socorro aos humildes e necessitados, com aquela sensibilidade que tanto caracteriza a personalidade feminina (nem sempre, mas bem mais do que nos homens).

No meu livro, já mencionado (O Lua), abordo a cultura da campanha política, usando a ficção literária. É bom frisar que o romancista goza de liberdades para criar, poetizar, fantasiar. Muitas pessoas, menos esclarecidas, são levadas a pensar que tudo existente em um romance é real, aconteceu efetivamente, o que não é verdade. O romancista pode criar o que bem entender, usando sua imaginação, um dos maiores dons da mente humana, origem de toda a arte – tanto literária, como musical, teatral, plástica e tudo o mais.

Repisando o assunto, aquele livro – ainda não lançado, como já disse, classificado como 'romance-reportagem', contém alguns fatos históricos, mas nem tudo ali é história. Caso contrário, não seria 'romance'. Mas mostra muito bem (creio) a cultura da época, do Quixeramobim de 1958, ano imorredouro na memória da população, da cidade e de todo o município.

 
João Bosco Fernandes Mendes
Presidente da AQUILETRAS,
Academia Quixeramobiense de Letras, Ciências e Artes

CONFISSÕES DE UMA PROFESSORA


 

     Sou professora e sinto-me lisonjeada quando assim me chamam: a profissão antecedendo o nome. Professora Goreth Pimentel soa pra mim como uma homenagem e me provoca alegria, uma sensação de reconhecimento pelo trabalho que se confunde com minha própria vida.
     Cá entre nós, muitas vezes fui provocada a sair da profissão, que aos olhos de muitos pode parecer pequena, desvalorizada, ”sem futuro”. Nunca senti assim, embora reconheça que ainda há um longo caminho a se percorrer na política de valorização docente, apesar de alguns avanços significativos conquistados.

     Na verdade, sinto que vim ao mundo pra ser professora e assim sendo, eterna estudante. O mundo está aí nos desafiando a ser melhores e não tem como ser bom professor sem ser um bom pesquisador que investiga as soluções para as dificuldades do chão da sala de aula e as aplica na prática em busca de superação. Teimosia também é uma palavrinha que cai bem no nosso universo. Se a gente se acomoda, o problema se agiganta e inferniza a nossa vida, enchendo de amargura e desencanto o nosso coração.
    Penso que é assim que a gente morre profissionalmente, quando perde o encanto, fazendo por fazer, sem acreditar. Então, como seduzir o outro para aprender, se perdermos a paixão por ensinar? Se a paixão contagia, a indiferença gera um vazio que dói na alma.

     Dizem que a paixão é efêmera, porém, a minha paixão docente contraria o tempo. E por falar em tempo, nem conto mais os anos que tenho como professora. Só sei que são muitos pelo cansaço que às vezes o corpo denuncia, porém a alma é resiliente e me faz experimentar uma sensação bem bacana de entrar em sala de aula sempre como se fosse a primeira vez. Continuo com aquele ritual de preparação de organizar a mente, de retocar o batom e apresentar-me “bem” pra honrar o nome de professora com todo o peso e a leveza da palavra.
     Alguns mais condicionados ao modismo das palavras haverão de corrigir-me e afirmar que não são apenas professores, são educadores. E eu, embora tenha atração por inovações, bato o pé e não abro mão do meu título de professora, porque compreendo que mudar apenas conceitos e definições acaba sendo muito superficial. Precisamos mudar atitudes, são estas que nos definem e fazem que como bons professores sejamos também excelentes educadores.

     E por falar em atitudes e concepções de mundo, permitam-me confessar uma coisa: tenho receio de professores que vivem excessivamente apegados ao passado, como se pudessem transportá-lo para o presente. São os saudosistas de plantão, que parecem indiferentes às inovações e à multiplicidade de descobertas científicas e tecnológicas em que elas se fundamentam e que podem nos inspirar a construir uma escola melhor.
    Igualmente tenho medo de me transformar em um desses modernistas de carteirinha que se apegam a qualquer discurso de mudança menosprezando o passado pelo passado e se apegando ao novo pela novidade, estufando o peito com arrogância e sem nenhuma criticidade, trocando de discurso como quem troca de roupa a cada modismo educacional, que muitas vezes morre engolido pelo novo, antes mesmo de ser compreendido e muito menos aplicado em sua essência, equivocado geralmente pela superficialidade do consumismo teórico.

     Quanta distância encontramos entre o mundo da teoria e o da prática, ambas desassociadas pelo apressamento das mudanças que acabam paradoxalmente abortando os projetos inovadores de escola! Não é à toa que nos deparamos com uma escola agonizante, rejeitada por suas práticas ultrapassadas e inoperantes, ou apenas maquiada com mudanças superficiais que não se permitem mergulhar em águas mais profundas e roubam-nos o poder de compreender e protagonizar as transformações que ecoam no silêncio e no grito de cada criança e jovem insatisfeito e desencantado com uma escola cheia de conteúdos e vazia de significado.
     Guardo profundo respeito a todos os professores que passaram e passam pela minha vida, cada um do seu jeito e no seu ritmo, tentando evoluir, sair do piloto automático, romper com a mesmice. Tenho orgulho especialmente dos que convivo mais de perto. São corajosos...  saem de sua zona de conforto e permitem-se novas aprendizagens, compreendendo que muito do que aprendemos nos bancos da universidade precisa ser reaprendido e por vezes, desaprendido.

     A eles, professores, que estão no chão das salas de aula de cada escola,  sentindo as dores e alegrias de ser professor, rendemos a nossa homenagem de profundo respeito e admiração. Caminhemos juntos com a ternura e a firmeza que nos movem rumo à construção de uma escola mais feliz e mais humana, onde todos aprendam a aprender e a utilizar seus conhecimentos a serviço de um mundo melhor para todos.
 MUITO PRAZER! SOU PROFESSORA!
FELIZ VIDA DE PROFESSOR!

Maria Goreth Pimentel Nunes Amâncio
SECRETÁRIA DA AQUILETRAS - ACADEMIA QUIXERAMOBIENSE DE LETRAS, CIÊNCIAS E ARTES

CRIME E CASTIGO, O GRANDE ROMANCE


 

 

Estou lendo (mais uma vez) Crime e Castigo, de Dostoiévski.

               Talvez, não sei bem, porque ouvi há poucos dias, na televisão, que Nelson Rodrigues leu Crime e Castigo 160 vezes. Possivelmente, um exagero. Mas um indicativo de quanto o dramaturgo brasileiro valorizava a obra.

               Já li o livro umas duas ou três vezes, a primeira ainda na juventude, e lembro que fiquei tão impressionado quanto uma criança que assiste um filme de terror (embora a obra não se compare a esses filmes idiotas).

               Acho que ninguém pode ter pretensões de ser romancista (de boa qualidade) e não ler Crime e Castigo. Não para imitar, porque quem imita não é romancista. É idiota. Para saber o que é um grande romance, uma grande obra literária.

               Até porque hoje não fazemos mais romances à Dostoiévski.  Deus me livre de escrever imitando o cara (ou qualquer outro, como a minha querida e maravilhosa Patrícia Melo, para mim a maior romancista brasileira do momento). Se me pedissem isso, seria uma tortura, nem aceitaria, de maneira alguma.  Mas ao ler essa obra do maior escritor russo do século XIX (para mim), não podemos deixar de sentir uma coisa estranha, um frio percorrendo a espinha dorsal.

               Dizem que Dostoiévski não foi grande em termos linguísticos, ao contrário de Tolstoi[1], seu contemporâneo. O que me provocou raivas contra Tolstoi (tanto, que este eu li muito pouco, por puro ressentimento: o grande, da época, tinha que ser Dostoiévski). Mas parece que é verdade. Dostoiévski escreveu muitas vezes apressado, verdadeiro desastre para um escritor. É que ele ganhava a vida com suas obras. E papocou dinheiro com jogo, foi viciado. Andou fazendo besteiras, os gênios não estão livres disso (um consolo para nós, simples mortais?).

               Tive a pretensão de conferir a linguagem do cara, lendo-o no original, em russo.

Na década de 70, no auge da ditadura, resolvi ir para a Rússia (aliás, União Soviética, na época). Meu argumento (para mim mesmo) era fugir do Brasil, que naquela época era mesmo insuportável, muito pior do que hoje, verdadeira bosta. Mas suspeito que o meu propósito maior era aprender a língua e ler a literatura russa do século XIX, no original.

               Escrevi pelo correio (vejam só, que idiota que era) para o Instituto Brasil-URSS, inscrevendo-me para a Universidade Patrice Lumumba, em Moscou, e pedindo subsídios. E eles mandaram: material para estudar russo e outras coisas. Passei a estudar o idioma e tudo o mais.

               A repressão da ditadura, que não era idiota, anotou (fichou) meu nome bem direitinho, de modo que depois iria impedir que eu assumisse um emprego público, em que fora aprovado. Castigo bem menor do que o de outros (inclusive de um dos nossos acadêmicos), que foram presos e torturados. Graças a Deus, não cheguei a passar por isso. Não sei se teria estrutura para aguentar isso, sem enlouquecer, com a sensibilidade que tenho.

Bom, mas enquanto o tempo passava, e para sobreviver, que meus pais não eram ricos, arranjei um empreguinho de professor numa cidadezinha do interior: Quixeramobim.

               O cara que me contratou, chamado Marum Simão, nunca sonhou (até hoje, apesar de ser meu grande amigo) que estava contratando um maldito comunista, esquerdista de carteirinha, que em pleno Quixeramobim estudava russo, a língua do satanás, e pensando em emigrar para aquela terra maldita, coisa do diabo, como muitos pensavam na época.

               Quixeramobim me salvou (ou não?).

               Conheci uma coisa que transforma o homem em anjo ou diabo: uma coisinha parecida com um violão, cinturinha fina, bundinha bem feita, cabelos loiros caindo até os ombros, meiga, a coisa mais encantadora do mundo. Arriei. Os quatro pneus.

               Ela morava na rua Desembargador Américo Militão, vizinho ao Luís Borges (que trabalhou uns duzentos anos na prefeitura, e era uma eminência parda, em várias gestões, inclusive quando fui chefe de gabinete).

               Pouco a pouco, fui mandando o russo, com Dostoiévski e tudo, ao diabo. Troquei Dostoiévski por uns cabelos loiros, cintura fina e bundinha empinada. Deixei de estudar as matérias do Instituto Brasil-URSS, me dedicando apenas às aulas que dava no Colégio Dr. Andrade Furtado. (Acho que fui um professor competente, me dedicava até os ossos.)

               Um dos momentos mais gostosos da minha vida, talvez.

               Enquanto curtia os cabelos loiros, com bundinha empinada e tudo o mais, ia progredindo na vida, afinal ninguém é de ferro. Fui contratado como chefe do Gabinete do Prefeito (primeiro, do Alfredo Machado, depois do Osvaldo Martins - acho que fui o único a pegar duas administrações, com prefeitos diferentes).

               Vidinha boa aquela, apesar de trabalhar como um negro cativo, três expedientes. Queria corresponder à confiança depositada em mim, creio, pelo Alfredo e pelo Osvaldo. Suspeito que eu tenha sido o Chefe de Gabinete de Quixeramobim mais preocupado com o resultado de suas atividades. Contribuí (aliás, fui o dono da ideia) para a fundação da Biblioteca Ismael Pordeus (embora quem tenha batido o martelo: 'cumpra-se', tenha sido o Alfredo Machado, que ainda hoje guardo na lembrança, inclusive o momento em que conversamos sobre a biblioteca - 'vamos fazer, e ela vai se chamar Ismael Pordeus'). O Alfredo foi quem batizou a biblioteca de 'Ismael Pordeus'. Mas eu trabalhei horrores para a coisa. Como trabalhei. Deus que o diga. Costumo dizer que naquela década de 70 Quixeramobim passou por uma guinada cultural, e eu fui uma peça importante nisso, modéstia à parte (talvez devido às minha características - ousadia e iniciativa). Depois eu falo mais disso.

               Hoje não sei o que teria sido melhor para mim: emigrar para a Rússia (e ser transformado em marionete dos comunistas), mas aprender o russo bem direitinho (o que nunca fiz realmente), ou me enrabichar com uns cabelos loiros, bundinha empinada. A língua, muito bonita, é diferente pra caramba do nosso português. A começar pelo alfabeto, o cirílico.

               Aliás, hoje continuo com ela, com seu riso maravilhoso, que adoro, apesar da merda que é envelhecer.

               Deixei Dostoiévski de lado. Continuei adorando a literatura russa do século XIX, apenas não mais com a pretensão de ler no original (como gostaria, agora, de ler  Dostoiévski e Gógol no original - ganhasse uma boa grana, ia morar lá, só para ler os russos do século XIX no origjnal).

               Aliás, vou contar a coisa como deve ser.

               Dostoiévski não é mais o meu grande astro, o meu grande rei. Apesar de que alguns russos do século XIX continuam a ser, para mim, a coisa mais maravilhosa, a coisa mais extraordinária do mundo, em letras. Ao contrário da literatura russa do século XX, destruída pelos comunistas, uma bosta.

               Hoje, quem eu adoro mesmo, em literatura, é Gógol (Nicolai Vassiliévich Gógol), o sujeito mais criativo, mais fantástico, na literatura mundial, que nunca devia ter morrido.

               Quem foi maior: Gógol ou Beethoven? Pergunta inadequada, pois não se pode comparar banana com laranja. Gógol foi literato, Beethoven um compositor (divino).

               Se você quer ser romancista, não pode deixar de ler Dostoiévski e Gógol. Aliás, Dostoiévski disse: todos nós (escritores de sua época) viemos de O Capote. 'O Capote' foi o mais extraordinário, o mais brilhante  conto de Gógol. Foi ele que criou o realismo fantástico, com que Gabriel Garcia Márquez, iria ganhar o Prêmio Nóbel, no século XX (nunca vi alguém dizer isso, mas para mim não há dúvida).

               Tem que ler Dostoiévski, porque reúne as técnicas do romance, que a humanidade acumulou até sua época (e algo atribuído a James Joyce, muito depois: o diálogo interior). E Gógol, porque... ora, porque Gógol... é Gógol... que droga.

Você pode pegar na internet todas as obras de Gógol (de Dostoiévski, não sei, mas talvez também). Comece pelo maravilhoso conto O Nariz, depois, Diário de Um Louco, e finalmente, O Capote, que deve esperar até você se familiarizar com o grande gênio.

               Voltando a Crime e Castigo, ao longo de boa parte da obra, ele explora o suspense: você sabe que Raskólhnikov (o protagonista) vai fazer algo muito mal, mas não sabe exatamente o quê. E termina executando o seu plano terrível (que não vou revelar aqui: se quer saber, leia o livro).

               É a obra de análise psicológica por excelência. Dizem até que Dostoiévski foi antecessor - e influenciador - de Freud, na compreensão das mazelas mentais humanas.

               Na Estante Virtual (site de sebos brasileiros na internet) você pode comprar Crime e Castigo a partir de R$10,00 (mais o frete). Então, ninguém vai poder argumentar que não leu a grande obra por falta de dinheiro.

               E se não ler, azar seu: não sabe o que está perdendo.

 

João Bosco Fernandes Mendes

Presidente da AQUILETRAS -
Academia Quixeramobiense de Letras, Ciências e Artes


[1] O Houaiss registra Tolstoi  sem acento (no verbete tolstoiano). Por sua origem, pois pelas nossas regras de acentuação deveria ter (como 'corrói'). Mas o russo não usa acentuação.

CANAFÍSTULA VELHA, SÍTIO ARQUEOLÓGICO

               A 25 quilômetros da cidade, à margem direita do Rio Pirabibu, Canafístula, a Velha (em oposição à fazenda Canafístula, da família Carneiro, talvez a maior do município, um ou dois quilômetros adiante), é um dos mais importantes repositórios de reminiscências da história de Quixeramobim.

               A primeira Canafístula (chamemos assim) foi implantada no século XVIII pelo Ten. General Vicente Alves da Fonseca, que, segundo Ismael Pordeus[1] (citando"fonte autorizada"), "foi o construtor do primeiro açude público no Ceará" – "no município de Quixeramobim, pelas eras de mil setecentos e tantos". Era natural de Olinda, Pernambuco, homônimo de seu pai (o que andou gerando certa confusão), Ten. Vicente Alves da Fonseca (o pai não era General, mas Tenente), casado em 21.10.1776 com Maria Francisca do Espírito Santo. Dessa união nasceram quatro filhos (um homem e três mulheres, entre as quais Francisca Maria, que viria a ser mãe de Maria Francisca – a futura Marica Lessa).

               Francisca Maria veio a casar-se com José dos Santos Lessa, em 30 de outubro de 1792, na Matriz de Quixeramobim, e de seu consórcio tiveram quatro filhos, três homens e uma mulher, Maria Francisca, a Marica Lessa.

               O General Vicente Alves da Fonseca, que era tio de José dos Santos Lessa, falecera um ano e dois meses antes: a 29 de agosto de 1791.

               José dos Santos Lessa, que herdou do pai (José Lobo dos Santos, natural do Porto, falecido em 28.07.1792) e do General, através da mulher, Francisca Maria, veio a se tornar Capitão-Mor e o homem mais rico e poderoso de Quixeramobim. Uma ideia disso: para fazer frente às tropas de Pinto Madeira, em Quixeramobim foram arrecadados 300 mil réis, entre doze pessoas do município. José Lessa entrou com um terço, 100 mil. Também foram doadas 320 reses, por 147 pessoas, das quais o Lessa entrou com 28 (a média por pessoa foi pouco mais de duas).

               Maria Francisca (a Marica) casou-se na Fazenda Canafístula, residência da família, no dia 30 de junho de 1827 (com 23 anos e 5 meses: nascera em janeiro de 1804), com o Tenente Domingos de Abreu de Vasconcelos Júnior (conforme a certidão de casamento), pernambucano, nascido em 1801, com 3 anos mais que Marica, portanto.

               Sete anos depois, a 26 de agosto de 1834, morria o Capitão-Mor José dos Santos Lessa, deixando Maria como senhora da Canafístula e das outras fazendas da família (não tenho registros dos destinos dos seus três irmãos homens, mencionados acima).

               A 20 de setembro de 1853, Marica manda assassinar o marido, Domingos Vítor de Abreu e Vasconcelos (como consta na maioria dos documentos). E começa o seu calvário, seu cálice de amargura. Acostumada a mandar e desmandar, certamente não esperava que as coisas dessem no que deram, a sua desgraça total, irreversível. Ocorre que o seu partido não estava mais no poder, e naqueles tempos a política era mais cruel do que hoje: aos derrotados aplicava-se integralmente a frase do general que derrotou os romanos: Vae victis! – Ai dos vencidos![2] Os que pertenciam, ou simpatizavam, com os vencidos, eram todos defenestrados do poder, voavam dos cargos implacavelmente. E Marica, cegada pela maior embriaguez do mundo, chamada paixão, não avaliou isso como devia. Aposto que não esperava nem ser presa. E não somente foi para as grades (no prédio histórico da Câmara Municipal de Quixeramobim), ao lado da igreja Matriz, como também condenada: inicialmente, a 30 anos. Depois, no julgamento do recurso, parece que a pena foi acrescida, em vez de reduzida. Naqueles velhos tempos, mulher que mandava matar o marido não merecia dó, piedade ou compaixão. Mais do que hoje.

               A Canafístula, sua principal  fazenda, foi vendida, como todas as outras (eram várias). E apostamos, sem medo de errar: entrou tudo no ralo, ou poço sem fundo, dos advogados, essa classe de cidadãos honradíssimos (com poucas exceções), incapazes de uma mentirinha qualquer, ou de não declarar a um cliente: não vou aceitar a sua causa, porque está visivelmente perdida, e não quero o seu dinheiro a troco de nada.

               Como sabem até as galinhas, em Quixeramobim, Marica morreu na miséria, mendigando nas ruas de Fortaleza, e retornando no fim do dia para a cadeia, de onde não quis mais sair, concluída a pena.

               Na virada do século XX, a Canafístula (ou boa parte dela) era propriedade do Coronel Lulu – José Luís Alves Teixeira, que, segundo memórias de seus descendentes, na seca do 15 (1915), perdeu 600 reses.

               No momento, ainda não sei de quem ele adquiriu a propriedade, se da Marica, diretamente. Espero ter tempo e disposição para consultar os cartórios, para uma resposta documentada. Mas conheci uma escritura de 1904, do inventário de seu primeiro casamento, indicando que seria o proprietário havia muitos anos.

               Um pequeno registro, para se dar uma ideia de quanto os tempos mudaram. Quando Damião Carneiro, em 1925, adquiriu uma pequena propriedade (apenas 200 hectares, um nada, diante das terras da Marica, e depois, do Coronel Lulu), vizinha à Canafístula (na época só existia uma), denominou-a – também – de 'Canafístula'.[3] Dona Cotinha, filha do Coronel Lulu, mãe do Luís Almeida e de Dona Sinharinha (esta, mãe do Alfredo e do Dr. Antônio Machado, avó do Ricardo Machado, do Sérgio Machado, do Celso e da Maria Teresa), mulher de muitos brios, temperamento forte, mandou um recado ao Damião: que ele arranjasse outro nome para sua propriedade, pois 'Canafístula' era a do seu pai, Coronel Lulu. Damião obviamente não obedeceu, tanto que aí está a "Canafístula dos Carneiros", como chamam na região. Ironicamente, hoje, quando se fala em 'Canafístula', em Quixeramobim, a ideia que vem é a dos Carneiros. Muitos, principalmente os jovens, nem sabem da existência da Canafístula Velha.

               Entre os descendentes do Coronel Lulu, temos cinco prefeitos de Quixeramobim: Luís Almeida (neto), Manuel Martins de Almeida (neto), Alfredo de Almeida Machado (bisneto), Osvaldo Martins de Almeida (bisneto) e Antônio de Almeida Machado (bisneto).

Entretanto, com uma verdadeira multidão de filhos, de dois casamentos, seu latifúndio foi dividido como bolo em festa de pobre, uma tripinha para cada um, não restando nenhum deles rico, à custa da herança.

               Uma filha dele, minha 'meia-sogra' (mãe de criação de minha esposa), Maria do Carmo Teixeira, um dos últimos descendentes do Coronel, era conhecida por Deus e todo mundo em Quixeramobim, como 'Tia-Carmelinda'. Uma alma santa, que faleceu em minha casa.

               Quanto à casa-grande do Capitão-Mor José dos Santos Lessa, e da mal fadada Marica, possivelmente uma das maiores e melhores do município, dado o poderio – econômico, político e social – de seus donos, levou a breca. Certamente abandonada por muitos anos, com Marica no inferno da prisão, deve ter-se deteriorado progressiva e implacavelmente. O Coronel Lulu já não a usou (sabemos exatamente onde este morava – sua casa hoje está dividida em outras menores).

               Com o romance de Oliveira Paiva, Dona Guidinha do Poço, um dos melhores da literatura brasileira (nada a dever a Machado de Assis ou Graciliano Ramos), Marica ganhou fama mundo afora. E os que foram à Canafístula, conhecer os despojos de sua casa-grande, se encarregaram de apoderar-se dos vestígios lá existentes até umas décadas atrás. Nos anos 70 lá encontrei restos de louça importada. Hoje, nem mais um caco. Para não se dizer que nada restou, lá estão pedaços dos tijolos, que um dia pertenceram à alvenaria (acho que mesmo os tijolos inteiros, que existiam até poucos dias, já carregaram). Verdadeira lástima, esse mau hábito de apropriar-se dos objetos de sítios históricos não protegidos, e levar como lembrança. Apenas um restinho de alvenaria: um tanque, de pedra, tomado pela mata. Mais adiante – uns cem a duzentos metros – do local da casa-grande, o cemitério, que, segundo a tradição (e o conhecimento da cultura da época) era usado para sepultar os escravos. Os 'brancos' eram sepultados na Matriz de Quixeramobim, 'grades acima' (os ricos) ou 'grades abaixo' (os defuntos de pouca ou nenhuma categoria)... Hoje o Campo Santo está murado e com muitos túmulos modernos, da comunidade da atual Canafístula Velha. Na época, teria  certamente uma cerca qualquer, e no interior o símbolo universal do cristianismo, cruzinhas de madeira.

               Quem sabe, no futuro, pelo que percebemos, arqueólogos vão escarafunchar o local da casa-grande, à procura dos alicerces, como insinuou o Seu Darlô, que nem mesmo tem conhecimento de sua função – vigilante, por acaso, e solitário, dos despojos de Marica Lessa. E que nem vai ler esta crônica, por absoluta impossibilidade, mesmo que eu lhe entregue uma cópia  – como pretendo fazer. É que as letras lhe parecem coisinhas estranhas, tal-qualmente as viam os escravos da Marica. E, também é possível, a ela própria.

               Parece uma maldição: até os despojos da mulher estão a virar pó, quase não resta mais pedra sobre pedra. Com exceção do tanquezinho, que teima em sobreviver. Até quando os visitantes resolverem demoli-lo também, para carregar como despojos, ou lembranças, ou souvenirs, ou... pura estupidez.


João Bosco Fernandes Mendes

Presidente da AQUILETRAS,

Academia Quixeramobiense de Letras, Ciências e Artes




[1] À Margem de Dona Guidinha do Poço [2004], p. 134. Essa obra foi a principal fonte deste trabalho.
[2] Foi feito um acordo para os romanos pagarem determinado peso de ouro. Ao se fazer a pesagem, e os dois pratos da balança se igualarem, o general vencedor jogou a sua enorme espada no prato dos pesos. Ante o protesto dos romanos, ele pronunciou a famosa frase: Ai dos vencidos!
[3] Armando Falcão, no pequeno opúsculo "Damião Carneiro, o Bandeirante do Sertão Central", afirma que Damião "adquiriu a fazenda Canafístula, de quem fora proprietária, em passado distante, Dona Marica Lessa". Enganou-se, o ministro da Ditadura. Os 200 hectares que ele adquiriu naquele momento andavam longe de representar o mundão de terras de Marica. Uma nesga, diante do latifúndio dela, e não se chamava 'Canafístula'.

domingo, 4 de outubro de 2015

HISTÓRIA DAS SECAS NO CEARÁ


 
               A AQUILETRAS, Academia de Letras, Ciências e Artes de Quixeramobim, implantada em 14 e agosto deste ano, tem como seu primeiro e mais relevante projeto, um estudo sobre o problema da água em nossa região: NOSSA ÁGUA, ONTEM HOJE A AMAHÃ.

               A primeira parte, NOSSA ÁGUA, ONTEM, aborda a história das secas no Ceará, que aliás foi o estado pioneiro na implantação do Serviço de Pluviometria, já em 1849, por iniciativa do Senador Thomaz Pompeu de Souza Brasil (mais conhecido como 'Senador Pompeu', simplesmente).

               Vale salientar que as secas não se manifestam simultaneamente em todos os estados, havendo casos de chuvas normais em alguns e estiagem - plena ou parcial - em outros.

               Nosso objetivo aqui é comparar os dados de séculos anteriores, principalmente do Ceará, a partir do século XVII (cujos registros eram obviamente precários) com os mais recentes, com o objetivo de avaliar o possível agravamento do problema em nossos dias, ante as novas agressões ao meio-ambiente, ou causas meteorológicas, apontadas pelos serviços de observação, nacionais e internacionais.

               Apresento a seguir uma planilha com os registros das secas no Ceará, nos últimos quatro séculos, de quatro historiadores muito citados pelos estudiosos: Thomaz Pompeu de Souza Brasil, Raimundo Girão, Thomaz Pompeu Sobrinho, e Filgueira Sampaio, retirados da minha obra 'Euclides e o Conselheiro, Um Grito do Nordeste', de 1987, p. 28:

 

EXTENSÃO (Nº DE ANOS)
SENADOR POMPEU
RAIMUNDO GIRÃO
THOMAZ P. SOBRINHO
FILGUEIRA SAMPAIO
1
1614
 
 
 
1
1692
1692
 
 
Segundo Joaquim Alves, autor de 'História das Secas', no século XVII houve secas no Nordeste em: 1603, 1606, 1614, 1615, 1645, 1652, 1692 e 1693.
2
1710/1711
1710
 
 
1
1721
1721
 
 
5
1723/1727
1723/1724
 
 
2
1736/1737           (*)
1735/1737
 
 
3
1744/1745/1746 (*)
1744/1746
 
 
1
1772                      (*)
1772
 
 
3
1776/1777/1778
1776/1778
 
 
1
1784
1784
 
 
4
1790/1793
1790/1792
 
 
 
1
1804
1804
 
 
2
1809/1810 (*)
1809/1810
 
 
2
1816/1817 (*)
1816/1817
 
 
2
1824/1825
1824/1825
 
 
1
1827           (*)
1827
 
 
1
1830
1830/1833
 
 
1
1833            (*)
 
 
 
2
1844/1845
1844/1845
 
 
3
1877/1879
1877/1879
 
 
2
1888/1889
1888/1889
 
 
1
1891           (*)
 
 
 
1
1898           (*)
 
 
 
 
1
1900             (*)
1900
1900
1900
2
1902/1903  (*)
 
1903      (*)
1902 (*) 1903    
1
1907             (*)
 
 
1907         (*)
1
 
1915
1915
1915
1
 
 
1919
1919         (*)
2
 
 
1931/1932
1932
1
 
 
 
1936         (*)
1
 
 
1942
1942         (*)
 
 
 
1951/1953
 
 
 
 
 
1958         (*)
 
 
 
 
1970         (*)

(*) Secas parciais.             

              

               A partir desses dados, vemos que no século XVIII houve 22 anos de seca, e nos oitocentos, 19 anos, sendo seis secas de 2 anos, quatro de 3, duas de 4 e apenas uma de 5:

1710/1711 (2 anos) - 1723/1727 (5) - 1735/1737 (3) - 1744/1746 (3) - 1776/1778 (3 anos) - 1790/1793 (4) - 1809/1810 (2) - 1816/1817   (2) - 1824/1825 (2) - 1830/1833 (4) - 1844/1845 (2) - 1877/1879 (3) - 1888/1889 (2).

               A partir da segunda metade do século XX, com a entrada em cena da Funceme - Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos, temos registros precisos das precipitações e uma classificação do que seja "seca", em termos numéricos: os anos em que as precipitações ficam abaixo de 493,2 milímetros. Segundo esse critério, e os dados da Funceme, de 1951 a 2013 tivemos 20 secas, nos seguintes anos:

 

1951 (297,28 mm) - 1953 (390,97 mm) - 1954 (483,08 mm) - 1958 (206,87 mm - o anos mais seco do período) - 1966 (456,44 mm) - 1970 (370,31 mm) - 1972 (430,88 mm) - 1979 (428,89 mm) - 1981 (488,54 mm) - 1982 (477,81 mm) - 1983 (307,87 mm) - 1990 (426,84 mm) - 1992 (444,14 mm) - 1993 (289,31 mm) - 1998 (241,5 mm) - 2001 (442,86 mm) - 2005 (444,93 mm) - 2010 (302,27 mm) - 2012 (302,47 mm) - 2013 (376,79 mm).

 

               O Século XX teve portanto 25 anos de seca, o campeão dos quatro séculos estudados. Mas o século atual, com sete anos ruins (considerando 2014 e 2015), de um total de 15, quase cinquenta por cento do período, apresenta-se como o pior de todos, capaz de levantar preocupação mesmo nos mais otimistas.

               Embora este levantamento não pretenda ser conclusivo, dada a pobreza de bons dados disponíveis, ele aponta para uma deterioração das condições climáticas proporcionadoras de chuvas. O que indica a necessidade de os governos voltarem suas atenções - na busca de água, destinada ao consumo humano, animal e agrícola - para outras fontes, além das precipitações chuvosas, como a dessalinização da água do oceano e, principalmente, a implantação de estações de tratamento para a reutilização das águas nas regiões urbanas.

 

João Bosco Fernandes Mendes

Presidente da AQUILETRAS
- Academia Quixeramobiense de Letras, Ciências e Artes