terça-feira, 22 de dezembro de 2015

CONFRATERNIZAÇÃO DE NATAL DA AQUILETRAS - PALAVRAS DO PRESIDENTE






               
               Um grande avanço da civilização se deu com o Cristianismo.
            Com ele, o homem tomou consciência da importância da sensibilidade, da compaixão, da empatia, isto é, da capacidade de se identificar com outras pessoas, ou com o 'próximo', no linguajar cristão.
            Mesmo os não cristãos precisam reconhecer que ali surgiu, ou foi promovida a preocupação com o outro, com os demais seres humanos.
            Cristianismo nada mais é do que a ideologia de Cristo, independente de igrejas, ou seitas religiosas, que reivindicam para si a primazia, ou a propriedade dela.
            Hoje estamos aqui para comemorar a chegada do cristianismo, mesmo sem a preocupação da data exata do nascimento de Cristo. Não nos importa se ele nasceu exatamente em 25 de dezembro, como muitos imaginam, ou não. Isso é irrelevante.
            O que nos importa realmente é o nascimento dessa ideologia, que veio mostrar a importância, e pregar a vivência, da preocupação com o outro, da paz entre os homens, ou do relacionamento amoroso, para usarmos um termos mais evangélico.
            O Cristianismo teve momentos difíceis, em que seus adeptos se afastaram muito da essência das ideias de Cristo, especialmente na Idade Média, com a implantação do chamado Tribunal do Santo Ofício, ou Inquisição, cujas consequências funestas devem ser muito bem conhecidas de todos vocês, pessoas esclarecidas.
            Mas hoje vemos, com satisfação, o surgimento de um líder, da principal Igreja cristã, o Catolicismo, com ideias arejadas, abertas a tendências, que eu, pessoalmente, não esperava ver ao longo de toda a minha vida, muito embora numa quase certeza de que isso iria ocorrer algum dia.
             Acredito que esse Papa que aí está, gostaria de avançar bem mais, porém nem tudo é possível, ele não tem poder ilimitado.
               Um ponto em que ele certamente gostaria de avançar, e não sabemos se o fará, pelo menos de maneira satisfatória, para os mais ansiosos por mudanças, diz respeito à participação da mulher nas coisas da Igreja.
            Eu costumo dizer que a mulher é o lado melhor da humanidade. Porque ela foi mais preparada, pela natureza, ou por outras entidades, como você preferir chamar, para desenvolver, em grau mais elevado, algumas características próprias e exclusivas do ser humano. Não me refiro à beleza, muito menos a sexo. Refiro-me a duas coisas não muito faladas, não muito apregoadas, mas que eu considero de grande relevância para a evolução humana, para o desenvolvimento da civilização.
            Observem que o avanço das letras, da ciência e das artes está muito ligado a nomes masculinos. Quando se fala da música, por exemplo, quais os grandes nomes que nos ocorrem, de imediato? Beethoven, Bach, Mozart, Schubert, Tchaikovski, e por aí vai, todos nomes masculinos. Na Ciência, vem à frente Einstein, Newton e uma fila interminável de homens, embora aqui apareça a Madame Curie, único ser humano a receber o Prêmio Nobel duas vezes, em duas áreas distintas, física e química, em 1903 e 1911. Na literatura, ocorre-nos Dostoiévski, Gógol, Tolstoi, Flaubert, Víto Hugo, e uma infinidade de homens, embora aqui também apareça uma Virgínia Woolf, uma das mais proeminentes figuras do modernismo em todo o mundo.
            Isso porque a mulher foi incumbida, digamos assim, de voltar-se de maneira muito especial para a maternidade, realizando-se apenas com ela, ao contrário do homem, que quase sempre não se realiza inteiramente com a paternidade.
            Mas por isso mesmo, por sua incumbência de gerar e cuidar dos filhos, bem mais do que os homens, a mulher traz, muito evoluídas, duas coisas que considero de grande relevância para a civilização, para o desenvolvimento da humanidade: a sensibilidade e a compaixão.
            E você pode perguntar: por que a compaixão? Sensibilidade é mais fácil de aceitar e entender. Por que a compaixão? Porque é ela que caracteriza o ser humano de maneira especial. Só o ser humano tem compaixão. Que foi traduzida por Cristo naquela frase "Amai-vos uns aos outros".
            É a compaixão que nos manda olhar o outro, principalmente aquele que sofre, aquele portador de carências: uma deficiência física ou mental, falta de bens materiais, a velhice extrema, a fragilidade da criancinha, sofrimentos os mais diversos, tão característicos do ser humano. Foi a compaixão que levou os seres humanos a se darem as mãos e marcharem rumo à evolução, ao aperfeiçoamento, que os outros animais não tiveram e nunca terão.
            Mas para falar melhor de compaixão, da necessidade que temos de mais compaixão no mundo, passemos a palavra a quem fala disso melhor, com muita arte, muito beleza.
            Música → DRÃO, Gilberto gil.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

PRIMEIRA BATIDA DE CARROS EM QUIXERAMOBIM, E O DOUTOR ÁLVARO FERNANDES


            Por volta dos idos de 1940, havia apenas dois carros (Jeeps) em Quixeramobim: um do Padre Jaime Felício, vigário, e o outro do Doutor Álvaro Otacílio Nogueira Fernandes, então o único médico da cidade (e de grande região do Estado).

            Pois bem. Por incrível que pareça, esses dois carros vieram a colidir, gerando um problema pessoal e até político (como se vê, encrencas por conta de batidas de veículo vêm de longe, tão antigas quanto os próprios carros).

            O evento me foi narrado por meu irmão, Geraldo Pimentel Fernandes, que naquela ocasião dirigia o carro do Doutor Álvaro (sem a presença deste), nosso parente. O motivo foi um "pega" entre os dois motoristas (coisa não revelada na época).

            Padre Jaime era adversário político do Doutor Álvaro, além de extremamente estressado, verdadeiro neurótico (foi meu professor, em Fortaleza, anos depois, mas já então bem mais calmo, nem parecia o mesmo, pelo que sei). Para se ter uma ideia, costumava despejar bacias d'água sobre os casais que namoravam na calçada da igreja (estavam a praticar o que ele gostaria de fazer, e não podia). Expulsava das funções religiosas as mulheres que usassem roupas decotadas. Um verdadeiro misógino (quem tem aversão às mulheres). O celibato muitas vezes provoca dessas coisas, o que mostra não ser nem um pouco condizente com a natureza humana. Cultivou inúmeras inimizades em Quixeramobim, inclusive com o Pedro Coutinho, figura importante na época, que foi até prefeito (ou intendente) da cidade (tenho um depoimento sobre ele, mas fica para outra ocasião).

            Compreensível então que agisse como agiu, na colisão dos veículos: requisitou a vinda de uma equipe de autoridades de Fortaleza, para dirimir a pendenga.

            Meu irmão assistiu o encontro do Doutor Álvaro com o Inspetor, na calçada do seu sobradão, ali onde hoje funciona a sede da Prefeitura de Quixeramobim. Devo lembrar que o doutor foi deputado federal em dois mandatos, tinha grande prestígio não só em Quixeramobim, mas em todo o Estado. Daí a sua atitude, arrogante talvez, para a cultura de nossos dias.

            Ao ser questionado pelo Inspetor:

            - Mas Doutor, o senhor entregar o carro para um rapaz menor de idade (o meu irmão)?... Respondeu aos gritos, abanando a cara da autoridade:

            - O carro é meu, eu entrego a quem quiser... Você tem nada com isso?... Você tem nada com isso?...

            No desenrolar do processo, Geraldo foi tirar novo registro civil, em Senador Pompeu, aumentando a idade...

            Doutor Álvaro estudara na Alemanha, daí por que detinha excelentes conhecimentos médicos para a sua época. Colou grau em medicina no Rio de Janeiro, com a tese 'Moral Insanity' (Insanidade Moral), em que estudou a loucura sob o tríplice aspecto da psicologia positiva, diagnóstico clínico e terapêutica jurídica. Publicou duas obras: 'Sobre o Mal Reinante' (1905) e 'Em Defesa Própria' (1906) e foi um dos fundadores do Centro Médico Cearense, cuja presidência assumiu em 1919. Foi membro do Instituto (Histórico, Geográfico e Antropológico) do Ceará, do qual foi membro, e deixou alguns trabalhos publicados na Revista daquela prestigiada instituição, que podem ser facilmente localizados na sua edição digital (grande repositório da cultura cearense).

            Minha casa, em Fortaleza, está encravada em terreno que pertenceu à sua chácara, grande propriedade (para os padrões atuais), no Bairro Damas, entre a Avenida João Pessoa e o Metrô (na época RVC - Rede de Viação Cearense), abrangendo várias quadras. Lamento imensamente haverem demolido a sua mansão ali - na esquina da Avenida João Pessoa com a rua que hoje tem seu nome, lindo casarão, representativo da melhor arquitetura da capital cearense da época, a poucos metros da minha residência atual. Obviamente, o proprietário temia que o imóvel fosse tombado pelo governo, impedindo alterações e, menos ainda, uma demolição. Grande perda para a nossa história, nossa cultura e nosso patrimônio arquitetônico, tão comum em nosso meio. Sempre que passo ali, e observo o enorme e belo portão de ferro, ainda existente (possivelmente importado), sinto um desagradável sentimento de perda. Quixeramobim foi mais feliz, preservando o casarão do Doutor Álvaro, adquirido pela Prefeitura na administração do Osvaldo Martins, quando eu era chefe de Gabinete. Cheguei a participar das negociações, e sugeri que o prédio se denominasse "Álvaro Fernandes". Osvaldo aceitou a ideia, e chegou a propô-lo nas negociações, mas aparentemente a filha do doutor - Ana Fernandes - não foi muito sensível à homenagem, que não veio a concretizar-se. Muito embora os mais velhos ainda denominem o prédio "Sobrado do Doutor Álvaro", o que naturalmente vai desaparecer com o tempo, na memória do nosso povo. E até esquecer que ele remonta ao século XIX, construído por José Jacinto de Souza Pimentel (que também construiu o antigo prédio da Câmara).

                        Hoje, com justa razão, Doutor Álvaro Fernandes é patrono da Cadeira número 13, da Academia Quixeramobiense de Letras, Ciências e Artes, da Acadêmica Ana Cláudia da Silva Oliveira, historiadora (da qual aguardo estudos melhores e mais detalhados sobre o Doutor Álvaro, inclusive entrevistas com seus familiares, residentes em Fortaleza). Em quase todas as Assembleias da Academia apresentamos a biografia de um patrono, além dos dados biográficos do próprio Acadêmico, e em breve, possivelmente, teremos oportunidade de ouvir nossa amiga Cláudia Oliveira sobre a vida dessa relevante figura da história de Quixeramobim.

João Bosco Fernandes Mendes

Presidente da AQUIletras -
Academia Quixeramobiense de Letras, Ciências e Artes