segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

25 DE JANEIRO, ANIVERSÁRIO DA MAGNÍFICA VIRGÍNIA WOOLF, A MAIOR ESCRITORA DO SÉCULO XX



                                                            Virgínia Woolf, em 1902 *

                                                     

            No dia 25 de janeiro de 1882, nascia em Londres (Hyde Park Gate, 22, Kensington) Virgínia Woolf, que viria a ser a mais proeminente escritora do modernismo, em todo o mundo, abalando seriamente o domínio masculino, num mundo dominado pelos homens desde priscas eras (e que se arrasta até nossos dias, embora muitas mulheres tenham seguido os passos dela, sobressaindo-se de lá para cá[1]).
            Virgínia nasceu de Sir Leslie Stephen (1832-1904) e Julia Prinsep Duckworth Stephen (1846-1895). Família inglesa de classe média alta, e de elevado nível intelectual. Ele, Leslie Stephen, escritor, historiador, crítico e praticante de montanhismo, além de editor do Dictionary of National Biography. Família numerosa, oito filhos, frutos de três casamentos (ambos os pais haviam casado anteriormente).
            Virgínia herdou a beleza da mãe, vindo a ser modelo, por algum tempo, para pintores e fotógrafos.
            Ao contrário de seus dois irmãos, Adrian e Julian, as filhas mulheres não foram enviadas para a universidade (Cambridge), sendo educadas em casa, o que viria a causar ressentimento na inteligente Virgínia, pela vida afora. Na época as famílias ainda privilegiavam os homens nos estudos, especialmente os universitários. Virgínia procurou compensar a carência com o autoaprendizado e com os intelectuais e estudantes (colegas dos irmãos) que frequentavam a casa.
            Um fato da infância, que deve ter marcado Virgínia, talvez profundamente,  foi o abuso sexual praticado por seus meios-irmãos, George e Gerald, lembrados por ela própria em sua autobiografia, Sketch of the Past (algo como: Notas sobre o Passado).
            Não se sabe exatamente que tipo de abuso (se chegou a haver relação plena), pois os biógrafos, algo reticentes - ou pudicos - não descrevem isso com clareza. Mas os estudiosos em geral falam que o fato afetou Virgínia, que nunca lidou bem com o sexo (hétero e homossexual). É possível também que tenha interferido na sua sanidade mental, pois veio a ser portadora do que chamamos hoje de transtorno bipolar. As estatísticas atuais reforçam esse entendimento. Grande percentual das mulheres que sofrem de algum transtorno psicológico (como o bipolar, o obsessivo-compulsivo, ou enveredam pelo alcoolismo), sofreram algum abuso sexual na infância. Naturalmente, isso não pode ser generalizado indistintamente. As pessoas reagem de maneiras diversas diante das mesmas situações. A sensibilidade não é a mesma para todos. E os gênios, pelo que vemos nas biografias, são pessoas extremamente sensíveis, e de mentes complexas.
           
            Virgínia esteve internada três vezes, em 1910, 1912 e 1913, em Burley House, instituição descrita como "a private nursing home for women with nervous disorder" (casa de saúde privada para mulheres com transtorno nervoso). Isso porém não interrompeu a sua produção literária.
                Virgínia (aparentemente bissexual), casou-se em agosto de 1912 com Leonardo Woolf, com quem manteve ótimas relações até o fim. Leonard amava, ou mesmo idolatrava, Virgínia, consciente de seu talento extraordinário para a literatura, a ponto de sacrificar sua própria carreira literária em benefício dela. Em seu ensaio A Room of One's Own, de 1929, ela escreveu: "A woman must have money and a room of her own if she is to write fiction" - Se uma mulher quer escrever ficção, precisa de dinheiro e um gabinete (sala) só dela". E ela possuía as duas coisas: a sala no jardim e o dinheiro da pequena editora que os dois montaram, a Hogarth Press, que viria a publicar as obras dela (que passaram também a render) e de outros grandes escritores, como T. S. Eliot, Laurens van der Post e outros.
             Virgínia deu contributos à evolução da técnica literária, desenvolvendo o que hoje chamamos 'diálogo (ou monólogo) interior', ou 'fluxo de consciência', em que o (a) personagem 'dialoga' consigo mesmo, mostrando o que vai em seus pensamentos e emoções. Mas a bem da verdade, a técnica não foi inventada por ela. Também foi usada, exaustivamente, por James Joyce, seu contemporâneo (coincidentemente, os dois nasceram e morreram nos mesmos anos - 1882 e 1941), na sua obra-prima, o Ulisses, como também por William Faulkner, além do brasileiro Graciliano Ramos. Daí em diante o diálogo interior tornou-se comum na literatura de ficção. O invento foi creditado, por Joyce, a um meio obscuro autor francês, Edouard Dujardin (1861- 1949), em sua obra 'Les Lauriers sont Coupés' (1888), lançada no Brasil em 2005 pela Editora Brejo: 'Os Loureiros Estão Cortados'. Como acontece tantas vezes a vida, o inventor não é quem leva a sua técnica ao máximo de desenvolvimento e beleza.
                Segundo a Wikipédia, Virgínia é um dos maiores romancistas do século XX, e um dos mais proeminentes modernistas. Produziu nove romances, seis volumes de contos, catorze de não ficção, um de teatro, duas biografias, e doze obras diversas.
                Em 1922 Virgínia conhece a escritora Vita Sackville-West, esposa de Harold Nicolson, com quem inicia um romance que duraria muitos anos. Segundo Vita, a relação teria sido mais 'platônica', tendo elas consumado relações sexuais apenas duas vezes. Mas Vita teve uma grande  importância na vida e na obra de Virgínia, que nela inspirou-se para escrever Orlando, uma de suas principais obras[2]. Mesmo assim manteve o relacionamento com o marido, não sabemos em que nível, que nunca a deixou de amar, admirar e apoiar.
                Como costuma ocorrer, as crises psíquicas de Virgínia eram intermitentes, sempre retornavam, levando-a a várias tentativas de suicídio ao longo da vida. Ao concluir o romance Between the Acts, em 28 de março de 1941, ela percebeu que estava entrando em novo surto. Escreveu então a seguinte carta ao marido:

Dearest, I feel certain that I am going mad again. I feel we can't go through another of those terrible times. And I shan't recover this time. I begin to hear voices, and I can't concentrate. So I am doing what seems the best thing to do. You have given me the greatest possible happiness. You have been in every way all that anyone could be. I don't think two people could have been happier till this terrible disease came. I can't fight any longer. I know that I am spoiling your life, that without me you could work. And you will I know. You see I can't even write this properly. I can't read. What I want to say is I owe all the happiness of my life to you. You have been entirely patient with me and incredibly good. I want to say that—everybody knows it. If anybody could have saved me it would have been you. Everything has gone from me but the certainty of your goodness. I can't go on spoiling your life any longer. I don't think two people could have been happier than we have been.
Querido, estou certa de que estou enlouquecendo novamente. E sinto que não devemos entrar em mais uma crise daquelas. E desta vez não vou poder me recuperar. Começo a ouvir vozes e não posso me concentrar. Por isso, estou fazendo o que parece a melhor coisa a fazer. Você me tem dado a maior felicidade possível. Você tem sido, de todos os modos, tudo o que alguém poderia ser. Não acredito que duas pessoas poderiam ser mais felizes, até esta terrível doença chegar. Não posso mais lutar. Sinto que estrago a sua vida, que sem mim você poderia trabalhar. E você irá fazê-lo, eu sei. Veja que não consigo nem escrever isto adequadamente. Não consigo ler. O que eu quero dizer é que devo a você toda a felicidade da minha vida. Você tem sido extremamente paciente comigo e incrivelmente bom. Quero dizer isso - e todo mundo o sabe. Se alguém pudesse me salvar, teria sido você. Perdi tudo na vida, exceto a certeza da sua bondade. Não posso mais continuar estragando a sua vida. Não creio que duas pessoas pudessem ser mais felizes do que nós fomos.


                Em seguida dirigiu-se ao rio Ouse, próximo à sua casa, colocou pedras dentro da roupa, entrou na água e afogou-se. O corpo foi encontrado vários dias depois. Leonardo, após cremar seu corpo, sepultou as cinzas sob uma árvore no jardim de sua casa, em Rodmell, Sussex.
              Entre os muitos estudos sobre o problema mental de Virgínia, sobressai o de Thomas Caramagno, de 1992, The Flight of the Mind: Virginia Woolf's Art and Manic-Depressive Illness (O Voo da Mente: a Arte de Virgínia Woolf e o Transtorno Maníaco-Depressivo), abordando o problema do "gênio-neurótico", em que analisa a crença de que a criatividade é, de certo modo, derivada do problema mental.
                Pessoalmente, tenho refletido muito sobre isso, por conta da lista enorme de gênios (ou pessoas que de algum modo se destacaram, principalmente nas artes), portadoras de algum transtorno psicológico (e por isso mesmo, tentando muitas vezes usar o álcool como paliativo): Beethoven, William Faulkner, Hermingway, Vinícius de Morais, Graciliano Ramos, e a lista é interminável. Acho que a loucura (ou simples neurose) não é sinônimo de genialidade. Mas que existe uma relação entre as duas coisas, existe. Por que, talvez nunca seja esclarecido.

João Bosco Fernandes Mendes 
Presidente da AQUILETRAS

(*) https://en.wikipedia.org/wiki/Virginia_Woolf


[1] No Brasil, veja-se a maravilhosa Patrícia Melo, com mais de dez obras.
[2] Que no Brasil pode ser adquirida na Livraria Saraiva, tanto em papel como em formato digital. Para quem domina o inglês, sugiro a versão bilíngue, em que se pode curtir também as palavras da própria autora, sem depender de um tradutor (a versão original é sempre melhor que a tradução).

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