Virgínia Woolf, em 1902 *
No dia 25 de
janeiro de 1882, nascia em Londres (Hyde Park Gate, 22, Kensington) Virgínia
Woolf, que viria a ser a mais proeminente escritora do modernismo, em todo o
mundo, abalando seriamente o domínio masculino, num mundo dominado pelos homens
desde priscas eras (e que se arrasta até nossos dias, embora muitas mulheres
tenham seguido os passos dela, sobressaindo-se de lá para cá[1]).
Virgínia
nasceu de Sir Leslie Stephen (1832-1904) e Julia Prinsep Duckworth Stephen
(1846-1895). Família inglesa de classe média alta, e de elevado nível
intelectual. Ele, Leslie Stephen, escritor, historiador, crítico e praticante
de montanhismo, além de editor do Dictionary of National Biography. Família
numerosa, oito filhos, frutos de três casamentos (ambos os pais haviam casado
anteriormente).
Virgínia
herdou a beleza da mãe, vindo a ser modelo, por algum tempo, para pintores e
fotógrafos.
Ao contrário
de seus dois irmãos, Adrian e Julian, as filhas mulheres não foram enviadas para
a universidade (Cambridge), sendo educadas em casa, o que viria a causar
ressentimento na inteligente Virgínia, pela vida afora. Na época as famílias
ainda privilegiavam os homens nos estudos, especialmente os universitários.
Virgínia procurou compensar a carência com o autoaprendizado e com os
intelectuais e estudantes (colegas dos irmãos) que frequentavam a casa.
Um fato da
infância, que deve ter marcado Virgínia, talvez profundamente, foi o abuso sexual praticado por seus
meios-irmãos, George e Gerald, lembrados por ela própria em sua autobiografia, Sketch of the Past (algo como: Notas
sobre o Passado).
Não se sabe
exatamente que tipo de abuso (se chegou a haver relação plena), pois os
biógrafos, algo reticentes - ou pudicos - não descrevem isso com clareza. Mas
os estudiosos em geral falam que o fato afetou Virgínia, que nunca lidou bem
com o sexo (hétero e homossexual). É possível também que tenha interferido na
sua sanidade mental, pois veio a ser portadora do que chamamos hoje de
transtorno bipolar. As estatísticas atuais reforçam esse entendimento. Grande
percentual das mulheres que sofrem de algum transtorno psicológico (como o
bipolar, o obsessivo-compulsivo, ou enveredam pelo alcoolismo), sofreram algum
abuso sexual na infância. Naturalmente, isso não pode ser generalizado
indistintamente. As pessoas reagem de maneiras diversas diante das mesmas
situações. A sensibilidade não é a mesma para todos. E os gênios, pelo que
vemos nas biografias, são pessoas extremamente sensíveis, e de mentes
complexas.
Virgínia
esteve internada três vezes, em 1910, 1912 e 1913, em Burley House, instituição
descrita como "a private nursing home
for women with nervous disorder" (casa de saúde privada para mulheres com
transtorno nervoso). Isso porém não interrompeu a sua produção literária.
Virgínia
(aparentemente bissexual), casou-se em agosto de 1912 com Leonardo Woolf, com
quem manteve ótimas relações até o fim. Leonard amava, ou mesmo idolatrava,
Virgínia, consciente de seu talento extraordinário para a literatura, a ponto
de sacrificar sua própria carreira literária em benefício dela. Em seu ensaio A Room of One's Own, de 1929, ela escreveu:
"A woman must have money and a room
of her own if she is to write fiction" - Se uma mulher quer escrever
ficção, precisa de dinheiro e um gabinete (sala) só dela". E ela possuía
as duas coisas: a sala no jardim e o dinheiro da pequena editora que os dois
montaram, a Hogarth Press, que viria a publicar as obras dela (que passaram
também a render) e de outros grandes escritores, como T. S. Eliot, Laurens van
der Post e outros.
Virgínia
deu contributos à evolução da técnica literária, desenvolvendo o que hoje
chamamos 'diálogo (ou monólogo) interior', ou 'fluxo de consciência', em que o
(a) personagem 'dialoga' consigo mesmo, mostrando o que vai em seus pensamentos
e emoções. Mas a bem da verdade, a técnica não foi inventada por ela. Também foi
usada, exaustivamente, por James Joyce, seu contemporâneo (coincidentemente, os
dois nasceram e morreram nos mesmos anos - 1882 e 1941), na sua obra-prima, o
Ulisses, como também por William Faulkner, além do brasileiro Graciliano Ramos.
Daí em diante o diálogo interior tornou-se comum na literatura de ficção. O
invento foi creditado, por Joyce, a um meio obscuro autor francês, Edouard
Dujardin (1861- 1949), em sua obra 'Les
Lauriers sont Coupés' (1888), lançada no Brasil em 2005 pela Editora Brejo:
'Os Loureiros Estão Cortados'. Como
acontece tantas vezes a vida, o inventor não é quem leva a sua técnica ao
máximo de desenvolvimento e beleza.
Segundo
a Wikipédia, Virgínia é um dos maiores romancistas do século XX, e um dos mais
proeminentes modernistas. Produziu nove romances, seis volumes de contos, catorze
de não ficção, um de teatro, duas biografias, e doze obras diversas.
Em
1922 Virgínia conhece a escritora Vita Sackville-West, esposa de Harold
Nicolson, com quem inicia um romance que duraria muitos anos. Segundo Vita, a
relação teria sido mais 'platônica', tendo elas consumado relações sexuais apenas
duas vezes. Mas Vita teve uma grande importância
na vida e na obra de Virgínia, que nela inspirou-se para escrever Orlando, uma
de suas principais obras[2].
Mesmo assim manteve o relacionamento com o marido, não sabemos em que nível,
que nunca a deixou de amar, admirar e apoiar.
Como
costuma ocorrer, as crises psíquicas de Virgínia eram intermitentes, sempre
retornavam, levando-a a várias tentativas de suicídio ao longo da vida. Ao
concluir o romance Between the Acts, em
28 de março de 1941, ela percebeu que estava entrando em novo surto. Escreveu
então a seguinte carta ao marido:
Dearest, I feel certain that I am going mad again. I feel we can't go through another of those terrible times. And I shan't recover this time. I begin to hear voices, and I can't concentrate. So I am doing what seems the best thing to do. You have given me the greatest possible happiness. You have been in every way all that anyone could be. I don't think two people could have been happier till this terrible disease came. I can't fight any longer. I know that I am spoiling your life, that without me you could work. And you will I know. You see I can't even write this properly. I can't read. What I want to say is I owe all the happiness of my life to you. You have been entirely patient with me and incredibly good. I want to say that—everybody knows it. If anybody could have saved me it would have been you. Everything has gone from me but the certainty of your goodness. I can't go on spoiling your life any longer. I don't think two people could have been happier than we have been. |
Querido, estou certa de que estou enlouquecendo
novamente. E sinto que não devemos entrar em mais uma crise daquelas. E desta
vez não vou poder me recuperar. Começo a ouvir vozes e não posso me
concentrar. Por isso, estou fazendo o que parece a melhor coisa a fazer. Você
me tem dado a maior felicidade possível. Você tem sido, de todos os modos,
tudo o que alguém poderia ser. Não acredito que duas pessoas poderiam ser
mais felizes, até esta terrível doença chegar. Não posso mais lutar. Sinto
que estrago a sua vida, que sem mim você poderia trabalhar. E você irá
fazê-lo, eu sei. Veja que não consigo nem escrever isto adequadamente. Não
consigo ler. O que eu quero dizer é que devo a você toda a felicidade da
minha vida. Você tem sido extremamente paciente comigo e incrivelmente bom.
Quero dizer isso - e todo mundo o sabe. Se alguém pudesse me salvar, teria
sido você. Perdi tudo na vida, exceto a certeza da sua bondade. Não posso
mais continuar estragando a sua vida. Não creio que duas pessoas pudessem ser
mais felizes do que nós fomos.
|
Em
seguida dirigiu-se ao rio Ouse, próximo à sua casa, colocou pedras dentro da
roupa, entrou na água e afogou-se. O corpo foi encontrado vários dias depois.
Leonardo, após cremar seu corpo, sepultou as cinzas sob uma árvore no jardim de
sua casa, em Rodmell, Sussex.
Entre
os muitos estudos sobre o problema mental de Virgínia, sobressai o de Thomas Caramagno,
de 1992, The Flight of the Mind: Virginia Woolf's Art and Manic-Depressive
Illness (O Voo da Mente: a Arte
de Virgínia Woolf e o Transtorno Maníaco-Depressivo), abordando o problema
do "gênio-neurótico", em que analisa a crença de que a criatividade
é, de certo modo, derivada do problema mental.
Pessoalmente,
tenho refletido muito sobre isso, por conta da lista enorme de gênios (ou
pessoas que de algum modo se destacaram, principalmente nas artes), portadoras
de algum transtorno psicológico (e por isso mesmo, tentando muitas vezes usar o
álcool como paliativo): Beethoven, William Faulkner, Hermingway, Vinícius de
Morais, Graciliano Ramos, e a lista é interminável. Acho que a loucura (ou
simples neurose) não é sinônimo de genialidade. Mas que existe uma relação
entre as duas coisas, existe. Por que, talvez nunca seja esclarecido.
João Bosco Fernandes Mendes
Presidente da AQUILETRAS
(*) https://en.wikipedia.org/wiki/Virginia_Woolf
[1] No
Brasil, veja-se a maravilhosa Patrícia Melo, com mais de dez obras.
[2]
Que no Brasil pode ser adquirida na Livraria Saraiva, tanto em papel como em
formato digital. Para quem domina o inglês, sugiro a versão bilíngue, em que se
pode curtir também as palavras da própria autora, sem depender de um tradutor
(a versão original é sempre melhor que a tradução).
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