sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

NUVENS, A BELEZA FEMININA, E A SEXTA DE BEETHOVEN


                Ontem, ao fazer a natação diária, de repente um estalo. Por que não estou curtindo o tempo, o céu inteiramente nublado, norte, sul, leste, oeste?

                Quantos dias, quantas semanas, quantos meses, esperei por isso, ansiosamente, como o náufrago à espera da boia que haverá de salvá-lo? E agora, que a maravilha chegou, não estou a curtir. Passei a dar pausas, a cada volta na piscina, ficando a contemplar o ceuzão, fantástico, esplêndido, primoroso, de Fortaleza.

                Haverá na terra beleza maior que essa? Quem sabe, a Beleza feminina? E lembrei uma citação do Rubem Fonseca, no livro que estou lendo - Madraque, a Biblia e a Bengala - presente da queridíssima Roberta Nógico. E fui atrás da citação:

                "A visão de uma mulher bonita é sempre uma espécie de epifania, o aparecimento de uma divindade, e o sentimento que nos domina, não fosse ele presidido por Eros, seria parecido com aquele que a música desperta em nós."

                Sim, o problema da beleza feminina é vir ela sempre (ou quase sempre) acompanhada de uma pontada na nossa libido, uma punhalada em nossas entranhas. Sexo é bom, é ótimo, mas não faz parte da beleza, da estética ("parte da filosofia voltada para a reflexão a respeito da beleza sensível e do fenômeno artístico", diz muito bem o Houaiss). E sexo não é arte, não atinge a nossa sensibilidade artística, é instinto reprodutivo, e primitivo, que o boi, o cão, o cavalo, também têm (e funcionando muito bem).

                                  Virgínia Woolf, para mim a maior escritora de todos os tempos
                                                                                 https://en.wikipedia.org/wiki/Virginia_Woolf
   

                Portanto, Fonseca parece pôr a música acima da beleza feminina. Não música qualquer, certamente, mas algo como a sexta sinfonia do (divino) Beethoven.

                E fiquei a me perguntar, imerso naquela maravilha de cenário, que Fortaleza algumas vezes nos proporciona (e por isso eu devia gostar mais dela, apesar de a cada dia mais agressiva, com o seu trânsito sufocante e o terror constante aos marginais), como a bruxa da Branca de Neve, dos irmãos Grimm, diante do espelho mágico: será mesmo este cenário a coisa mais linda do mundo? A sexta de Beethoven (Pastoral) não será mais fantástica ainda? Por coincidência ou não, ela foi inspirada exatamente por uma bela tempestade no campo. E decidi que iria curti-la, atentamente, com todo o meu ser, toda a minha alma, como se deve ouvir Beethoven. Melhor seria, talvez, apreciá-la com o horizonte carregado de nuvens bem escuras, ou, mais ainda, com o barulho da chuva no telhado. Faltaria só uma esplendorosa Virgínia Woolf (cuja biografia pretendo publicar aqui no seu aniversário, 25 de janeiro). Mas aí seria, talvez, entornar, turvar, embaralhar tudo, como ocorre tantas vezes com o ser humano... Aliás, com a própria Virgínia, que escreveu a mais maravilhosa declaração de amor (ao marido), momentos antes de suicidar-se.

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