Ontem,
ao fazer a natação diária, de repente um estalo. Por que não estou curtindo o
tempo, o céu inteiramente nublado, norte, sul, leste, oeste?
Quantos
dias, quantas semanas, quantos meses, esperei por isso, ansiosamente, como o
náufrago à espera da boia que haverá de salvá-lo? E agora, que a maravilha
chegou, não estou a curtir. Passei a dar pausas, a cada volta na piscina,
ficando a contemplar o ceuzão, fantástico, esplêndido, primoroso, de Fortaleza.
Haverá
na terra beleza maior que essa? Quem sabe, a Beleza feminina? E lembrei uma
citação do Rubem Fonseca, no livro que estou lendo - Madraque, a Biblia e a Bengala - presente da queridíssima Roberta
Nógico. E fui atrás da citação:
"A
visão de uma mulher bonita é sempre uma espécie de epifania, o aparecimento de
uma divindade, e o sentimento que nos domina, não fosse ele presidido por Eros,
seria parecido com aquele que a música desperta em nós."
Sim, o problema da beleza
feminina é vir ela sempre (ou quase sempre) acompanhada de uma pontada na nossa
libido, uma punhalada em nossas entranhas. Sexo é bom, é ótimo, mas não faz
parte da beleza, da estética ("parte
da filosofia voltada para a reflexão a respeito da beleza sensível e do
fenômeno artístico", diz muito bem o Houaiss). E sexo não é arte, não
atinge a nossa sensibilidade artística, é instinto reprodutivo, e primitivo,
que o boi, o cão, o cavalo, também têm (e funcionando muito bem).
Virgínia Woolf, para mim a maior escritora de todos os tempos
https://en.wikipedia.org/wiki/Virginia_Woolf
Portanto, Fonseca parece pôr a
música acima da beleza feminina. Não música qualquer, certamente, mas algo como
a sexta sinfonia do (divino) Beethoven.
E fiquei a me perguntar, imerso
naquela maravilha de cenário, que Fortaleza algumas vezes nos proporciona (e
por isso eu devia gostar mais dela, apesar de a cada dia mais agressiva, com o
seu trânsito sufocante e o terror constante aos marginais), como a bruxa da
Branca de Neve, dos irmãos Grimm, diante do espelho mágico: será mesmo este
cenário a coisa mais linda do mundo? A sexta de Beethoven (Pastoral) não será
mais fantástica ainda? Por coincidência ou não, ela foi inspirada exatamente por
uma bela tempestade no campo. E decidi que iria curti-la, atentamente, com todo
o meu ser, toda a minha alma, como se deve ouvir Beethoven. Melhor seria,
talvez, apreciá-la com o horizonte carregado de nuvens bem escuras, ou, mais
ainda, com o barulho da chuva no telhado. Faltaria só uma esplendorosa Virgínia
Woolf (cuja biografia pretendo publicar aqui no seu aniversário, 25 de
janeiro). Mas aí seria, talvez, entornar, turvar, embaralhar tudo, como ocorre tantas
vezes com o ser humano... Aliás, com a própria Virgínia, que escreveu a mais
maravilhosa declaração de amor (ao marido), momentos antes de suicidar-se.
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