Gonçalo Inácio de Loyola Albuquerque
e Melo (1778 - 1825), segundo o Barão de Studart[1],
nasceu em Riacho dos Guimarães, hoje Groaíras, no norte do Ceará[2],
de Félix José de Souza e Oliveira, do Rio Grande do Norte, e Teodora Maria de
Jesus Madeira, filha do português Manuel de Matos Madeira, "um alto
titular da nobreza de Portugal, de nome diverso desse pelo qual se fazia
tratar, e evadido da sua terra ante a mortal perseguição desenvolvida contra a
sua família pelo Conde de Oeiras, poderosíssimo Ministro d'El-Rei Dom José."
Mororó (sobrenome adotado por ele,
um costume da época, significando 'madeira muito rígida') ordenou-se no
seminário de Olinda (1802), onde também estudou ciências físicas e naturais. Era
um tremendo intelectual, como informa Studart: "profundo latinista, bom
pregador sacro, jurisconsulto, botânico, foi Mororó também o diretor do
primeiro jornal publicado no Ceará, o Diário do Governo do Ceará, saído à luz a
1º de abril de 1824".
Foi professor de latim da vila do
Aracati, demitindo-se em dezembro de 1821, e transferindo-se para Campo Grande
(hoje Guaraciaba do Norte). Daí passou para a Barra do Sitiá (Quixeramobim),
depois para a fazenda Canafístula[3],
e em seguida para a Vila de Quixeramobim (residindo na Praça do Cotovelo, hoje
Praça Coronel João Paulino). Aí, liderou a realização da sessão da Câmara, de 9
de janeiro de 1824, em que foi proclamada a república (no Brasil), fato que
levaria ao seu fuzilamento.[4]
Diz Studart: "foi esse o início da revolta [Confederação do Equador], que
tantas lágrimas e tanto sangue custou ao Ceará. Destroçados os republicanos em
Santa Rosa, feita a contra-revolução do Crato, proclamada de novo a monarquia por
José Félix, que ficara na presidência da Província, como substituto de Tristão
Gonçalves, seguiu-se a perseguição dos principais chefes, a captura dos cabeças
da república. O Padre Mororó, preso em Fortaleza, à Rua dos Mercadores, hoje
[início do século XX] Sena Madureira, e condenado à pena última, como o foram
também seus companheiros de ideias [Pessoa] Anta, [Azevedo] Bolão, [Feliciano
José da Silva] Carapinima e Pereira Ibiapina[5],
foi fuzilado na atual Praça dos Mártires[6],
ângulo norte do Passeio Público, a 30 de abril de 1825."
Diz João Brígido[7]:
"O padre Gonçalo
era de talhe elegante, alto, faces rosadas, expressão graciosa e vivaz. Nenhuma
fortuna possuía além dum escravo, seu amigo de infortúnio, a quem legou a
liberdade. Generoso até a prodigalidade, não soube tirar partido de sua
ilustração, nesses tempos, em que eram dum preço inestimável os trabalhos da
inteligência [ou da escolaridade]." "Era de uma memória pasmosa.
Lecionava o latim, sem abrir nenhum dos clássicos, notando todavia a menor
omissão que cometessem os seus alunos. Fazia versos latinos de grande
perfeição."
Viriato Correia, na Revista do
Instituto do Ceará de 1924, assim descreve a sua execução:
"Fortaleza, sob aquele
maravilhoso sol do norte, acordou como para uma festa. Era um espetáculo novo a
que toda gente queria assistir.
Às sete da manhã os dois condenados
[Mororó e João de Andrade Pessoa Anta] são entregues aos padres para a
confissão.
Na praça do quartel [atual quartel
da 10 Região Militar], apinhada de povo, os réus apareceram. Quase ninguém
[re]conhece o padre Mororó, que está ao lado de Andrade Pessoa. Naqueles poucos
meses de cadeia os seus cabelos pretos tinham ficado como uma pasta de algodão.
A brigada, sob o comando do major
Queiroz Carreira, forma um quadrado para despir Andrade Pessoa das honras
militares. No meio do largo há um oratório onde se vai fazer a desautoração
[privação do cargo ou dignidade, como medida punitiva] das ordens sacerdotais
de Mororó. O padre recusa-se: troquem-lhe apenas a batina pelas roupas de réu.[8]
Vestem-lhe então a alva dos condenados. A camisola não lhe vai além dos
joelhos.
Mororó olha demoradamente a
vestimenta, ajeita-se dentro dela, puxa-a para baixo o mais possível para lhe
cobrir os joelhos e, vendo a figura ridícula que fazia com uma alva tão curta,
diz com um sorriso de ironia cortante:
- Louvado seja Deus, que até a
última camisa que me dão é curta.
Rufam os tambores, soam as cornetas.
Vai começar a marcha em rumo do local escolhido para a execução. O padre está
de uma serenidade que a todos assombra. Ao seu lado Andrade Pessoa, vai dar os
primeiros passos. Naquela hora horrível da sua vida, Mororó não se esquece de
que é um homem educado - dá a direita a Andrade Pessoa. Ladeados pelos padres,
os dois republicanos, no quadrado das tropas, seguem. As ruas cada vez mais se
enchem. Nas janelas as famílias apinham-se. Há gente até trepada nas árvores e
nos telhados. Mas toda aquela multidão está silenciosa e aterrada.
O préstito caminha [pela Rua de
Baixo, hoje Sena Madureira] para a capela do Rosário [então Igreja Matriz]. Os
sinos de todas as igrejas tangem a finados, entristecendo o fulgor daquela
esplendente manhã de sol.
Ouve-se a missa que frei Luiz do
Espírito Santo Ferreira celebra. Segue-se depois, lentamente, a caminho da
praça do suplício [pela atual rua Guilherme Rocha, depois pela Rua da Palma, atual
Major Facundo]. No meio do largo, há um grupo de homens e crianças trepados. A
carga é tão grande que, no momento em que os condenados passam, o galho do
cajueiro se parte e todo o grupo vem ao chão.
O padre Mororó estaca por um
instante. Embora marchando para a morte, é o primeiro a rir[9]
do trambolho do pessoal do cajueiro.
Na praça em que se vai dar a
execução, a multidão é tanta que a custo as tropas conseguem abrir passagem.
Mororó é colocado na coluna da
morte.
Um soldado lhe traz a venda para lhe
pôr nos olhos.
- Não, responde ele, eu quero ver
como isso é.
Vem outro soldado para colocar-lhe
sobre o coração a pequena roda de papel vermelho que vai servir de alvo. Ele
detém a mão do soldado:
- Não é necessário. Eu farei o alvo.
E cruzando as duas mãos sobre o
peito, grita arrogantemente para os praças:
- Camaradas, o alvo é este!
E num tom de riso, como se aquilo
fosse uma brincadeira:
- E vejam lá! Tiro certeiro, que não
me deixe sofrer muito!
Houve na multidão um instante cruel
de ansiedade. Tinha sido ordenada a pontaria. Todo o vago rumor do povo tinha
cessado completamente.
- Fogo!
A descarga estrondou.
O padre tombou sem vida. A seus pés
tinham caído três dedos da mão que as balas deceparam."
Como se vê, Padre Mororó liderou um
dos momentos mais marcantes da história de Quixeramobim, hoje registrado nos
anais da história do Brasil. E os autores sempre se referem de maneira muito
elogiosa, aos participantes daquela sessão da Câmara quixeramobiense. Daí por
que, a Academia Quixeramobiense de Letras, Ciências e Artes - AQUILETRAS,
inclui o destemido padre entre os seus patronos.
João Bosco Fernandes
Mendes
Presidente da
AQUILETRAS
[1] No
seu (hoje raríssimo) Dicionário Bio-Bibliográfico Cearense, publicado entre
1910 e 1915.
[2]
Segundo o site 'Forquilha Ontem Hoje e Sempre', Mororó "Nasceu a 24 de julho de 1778, na fazenda Santa Bárbara, à margem
do riacho Sabonete, região conhecida pelo nome de Arribita, termo da freguesia
e do município de Sobral, atualmente território de Forquilha." A fonte
de sua informação é o batistério de Mororó, publicado na obra 'Três Riachos, Uma Forquilha', de Joab
Aragão e Jeta Loiola, de 2006, paginas 206 a 214.
[3]
Canafístula Velha - ver minha crônica 'Canafístula Velha, Sítio Arqueológico da
História de Quixeramobim", publicada no blog da AQUILETRAS (aquiletras.blogspot.com.br).
O que faria ele por lá? Certamente convidado pelo Capitão-Mor José dos Santos
Lessa, o homem mais poderoso de Quixeramobim, proprietário da fazenda
Canafístula, sua residência, pai da Marica Lessa. A presença de Mororó por lá indica,
talvez, que na fazenda se desenvolvia atividades intelectuais e sociais.
[4] Na
Câmara de Quixeramobim existe um quadro com uma cópia dessa ata.
[5]
Pai do Padre Ibiapina.
[6] Na
época, Campo da Pólvora.
[7]
Revista do Instituto do Ceará, 1889.
[8]
Paulino Nogueira, em trabalho publicado em 1894 (na Revista do Instituto do
Ceará), diz que, na verdade, as autoridades o dispensaram da humilhação, o que
não ocorreu com Frei Caneca, em Pernambuco.
[9]
Diz Paulino Nogueira: "esboçou um ar de riso", o que é mais realista.
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