A cada dia o sertão vai-se transformando em um deserto, em seres
humanos e animais.
Pegue a estrada da
Canafístula (a mesma da Madalena) e observe: nenhuma construção nova, raras
casas, antigas, e quase sem animais na pista (algumas talvez abandonadas). A
paisagem, nesta época do ano, lembra regiões inóspitas da África.
São milhares e
milhares de quilômetros quadrados, totalmente improdutivos, sem lavoura e sem
vestígios de agropecuária. A monotonia vai quebrar-se com o povoado da Jurema,
a 20 quilômetros de Quixeramobim e, quatro quilômetros adiante, a fazenda da
família Carneiro, aliás com o seu açudo completamente seco (assim como o Das
Flores, que eu nunca vira secar, em décadas).
Não podia ser
diferente. Lavouras e criatórios estão cada vez mais inviabilizados, a não ser
com poços profundos, que a população pobre não pode implantar, nem são
possíveis em muitos locais. Os jovens emigram todos para a cidade, em busca de
estudo e emprego. Por lá vão ficando apenas os idosos, sobrevivendo com
aposentadorias, talvez a principal fonte de renda da população do município. Se
for confirmada a previsão de ano ruim de chuvas para o próximo ano (o oitavo a
partir do ano 2.000), essa situação deverá agravar-se horrores. O deserto (humano)
vai consolidar-se, o sertão mais e mais uma região de idosos. Hoje já é
praticamente impossível arranjar mão de obra para trabalhos de qualquer
natureza. Constatei isso na prática, ao tentar aprofundar um cacimbão, na
Canafístula Velha.
Na estrada das
Barrocas (Estrada do Algodão) existem muitas casas - e até de boa qualidade -
mas sem dúvida de veraneio. A inexistência de açudes com água (inclusive a
barragem), inviabiliza a produção agropecuária.
Interessante é
que, com o despovoamento, a tendência é uma recuperação da natureza, já que o
homem é o seu grande agressor. Isso deverá ocorrer se surgirem alguns períodos
chuvosos. Hoje mesmo eu já observo um caso: os urubus estão voltando. Até
alguns anos atrás, eu me admirava de não vê-los, ao longo das estradas. Agora
vemos, vez por outra, ajuntamentos deles, até de algumas dezenas. Isso deverá
ocorrer com outras espécies.
Outra
consequência: a cultura sertaneja, do homem do campo, irá minguar
progressivamente, e muitas coisas deverão desaparecer para sempre. As tradições
serão conservadas apenas pelos idosos, que naturalmente, irão sumindo. No
futuro, serão coisas registradas apenas livro. E também este, o livro de papel,
vai desaparecer, embora ainda vá exigir algum tempo: todos usarão o livro
digital, exclusivamente. Bibliotecas serão peças de museu.
A cidade precisa
pensar seriamente na sua estrutura urbana, e criar condições para se evitar a
praga do favelamento. Regular os loteamentos nas periferias e implantar
infraestruturas - água, esgoto e eletrificação (rede telefônica não é mais
necessária, até as galinhas eu já vi acessando o Facebook no celular). Agir com
rigor e oferecer meios para não se criarem amontoados de barracos miseráveis,
onde prospera a insalubridade, a violência e a promiscuidade. Enfim, o sertão está a
transferir-se para a cidade, em marcha acelerada. E esta precisa preparar-se,
com urgência, para não ser engolida por uma multidão de famintos, analfabetos e
carentes de toda sorte.
João Bosco
Fernandes Mendes,
Presidente
da AQUILETRAS,
Academia Quixeramobiense de Letras, Ciências e Artes.
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