domingo, 4 de outubro de 2015

O SERTÃO, UM DESERTO


               A cada dia o sertão vai-se transformando em um deserto, em seres humanos e animais.

               Pegue a estrada da Canafístula (a mesma da Madalena) e observe: nenhuma construção nova, raras casas, antigas, e quase sem animais na pista (algumas talvez abandonadas). A paisagem, nesta época do ano, lembra regiões inóspitas da África.

               São milhares e milhares de quilômetros quadrados, totalmente improdutivos, sem lavoura e sem vestígios de agropecuária. A monotonia vai quebrar-se com o povoado da Jurema, a 20 quilômetros de Quixeramobim e, quatro quilômetros adiante, a fazenda da família Carneiro, aliás com o seu açudo completamente seco (assim como o Das Flores, que eu nunca vira secar, em décadas).

               Não podia ser diferente. Lavouras e criatórios estão cada vez mais inviabilizados, a não ser com poços profundos, que a população pobre não pode implantar, nem são possíveis em muitos locais. Os jovens emigram todos para a cidade, em busca de estudo e emprego. Por lá vão ficando apenas os idosos, sobrevivendo com aposentadorias, talvez a principal fonte de renda da população do município. Se for confirmada a previsão de ano ruim de chuvas para o próximo ano (o oitavo a partir do ano 2.000), essa situação deverá agravar-se horrores. O deserto (humano) vai consolidar-se, o sertão mais e mais uma região de idosos. Hoje já é praticamente impossível arranjar mão de obra para trabalhos de qualquer natureza. Constatei isso na prática, ao tentar aprofundar um cacimbão, na Canafístula Velha.

               Na estrada das Barrocas (Estrada do Algodão) existem muitas casas - e até de boa qualidade - mas sem dúvida de veraneio. A inexistência de açudes com água (inclusive a barragem), inviabiliza a produção agropecuária.

               Interessante é que, com o despovoamento, a tendência é uma recuperação da natureza, já que o homem é o seu grande agressor. Isso deverá ocorrer se surgirem alguns períodos chuvosos. Hoje mesmo eu já observo um caso: os urubus estão voltando. Até alguns anos atrás, eu me admirava de não vê-los, ao longo das estradas. Agora vemos, vez por outra, ajuntamentos deles, até de algumas dezenas. Isso deverá ocorrer com outras espécies.

               Outra consequência: a cultura sertaneja, do homem do campo, irá minguar progressivamente, e muitas coisas deverão desaparecer para sempre. As tradições serão conservadas apenas pelos idosos, que naturalmente, irão sumindo. No futuro, serão coisas registradas apenas livro. E também este, o livro de papel, vai desaparecer, embora ainda vá exigir algum tempo: todos usarão o livro digital, exclusivamente. Bibliotecas serão peças de museu.

               A cidade precisa pensar seriamente na sua estrutura urbana, e criar condições para se evitar a praga do favelamento. Regular os loteamentos nas periferias e implantar infraestruturas - água, esgoto e eletrificação (rede telefônica não é mais necessária, até as galinhas eu já vi acessando o Facebook no celular). Agir com rigor e oferecer meios para não se criarem amontoados de barracos miseráveis, onde prospera a insalubridade, a violência e a promiscuidade.              Enfim, o sertão está a transferir-se para a cidade, em marcha acelerada. E esta precisa preparar-se, com urgência, para não ser engolida por uma multidão de famintos, analfabetos e carentes de toda sorte.

João Bosco Fernandes Mendes,

Presidente da AQUILETRAS,
Academia Quixeramobiense de Letras, Ciências e Artes.

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